Parábola da Parabólica

| terça-feira, 8 de dezembro de 2009
"Cristo morreu cedo demais. Se tivesse vivido até a minha época, ele teria repudiado a sua doutrina." (Nietzsche)

São oito horas da noite. João chega em casa cansado do trabalho. Há três dias chove sem parar e seus pés estão ensopados. No ônibus a caminho de casa ouviu duas senhoras comentando de que esse seria o fim dos tempos. João não acredita nessa coisa de fim dos tempos; e enquanto pensa a respeito disso, caminha na direção do sofá com suas meias enxarcadas. Sua mulher reclama na cozinha de que seu filho mais novo havia recebido um bilhete de advertência na escola pela terceira vez no ano. João trabalha como segurança de uma empresa de grande porte na zona industrial da cidade. Passa doze horas por dia em pé, segurando uma arma na altura da cintura e convivendo com o tédio, as dores na altura do tornozelo e o silêncio das horas que não passam. Em treze anos de profissão nunca precisou usar a arma, a não ser uma vez quando ameaçou um bêbado que tentava pular o muro que divide a empresa da rua de asfalto. A última coisa que João quer na sua vida é apertar o gatilho ou ter que conviver com as reclamações de seu filho mais novo ao chegar em casa cansado do trabalho.
Com os pés sobre um puff cor de abóbora que ganhou da mulher no aniversário de quarenta e três anos, João aperta o controle remoto para dar início à transmissão do Jornal Nacional, naquela caixa preta de vinte e nove polegadas cravada na estante de sua sala, comprada em doze prestações em uma loja do centro da cidade. João ainda era um menino quando ouviu no rádio o presidente do Brasil dizer que se um fato não havia sido noticiado no Jornal Nacional era porque ele não havia acontecido. E desde então, religiosamente, as suas atenções estão voltadas para a televisão naquele mesmo horário - para ouvir as notícias que a maior rede de televisão de seu país tinha preparado pra ele.
- Boa noite - diz o apresentador do jornal que invade as telas de sessenta por cento de todos os televisores ligados no brasil naquele horário - o juíz Gláucio de Araújo da 9ª Vara Criminal de São Paulo abriu ação criminal contra o fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo, e mais nove pessoas ligadas a ele por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.
A câmera muda para sua mulher, também jornalista e companheira de bancada há mais de onze anos.
- Segundo a denúncia da promotoria, Edir Macedo e os outros acusados desviaram dinheiro de doações de fiéis e se aproveitaram da isenção de impostos oferecidas à igrejas de qualquer culto, determinada pela constituição.
Nesse momento quase todos os olhos e ouvidos do Brasil estão voltados para a guerra midiática decretada pela quarta maior emissora do mundo à igreja neopentecostal que mais cresce na américa latina, e que controla a segunda grande emissora do país, sua maior concorrente - a Rede Record de Televisão. A alta cúpula da igreja deveria estar naquele momento andando de um lado para o outro, em uma sala de reuniões aonde seria decidido qual seria o contra-ataque.
João não acredita em Deus desde que tinha dezessete anos, quando perdeu um irmão assassinado, mas sua mulher frequenta o templo da Igreja Universal do Reino de Deus construído há duas quadras de sua casa. Há algum tempo boa parte de seu salário é direcionado para os sacos de recolhimento de ofertas nos cultos de domingo, e para o dízimo. João lamenta profundamente aquelas horas de trabalho que não serviram para nada.
- Se Deus é o caminho, Edir Macedo é o pedágio.
E então ele muda de canal com aquela sensação de que se não bastasse o mundo inteiro ser enganado por aquela estórinha pra boi dormir contada na bíblia, o seu bolso pagava caro para sustentar aquelas mentiras todas. Na Rede Record ele tem a triste sensação de que o dinheiro do suor de seu trabalho havia parado na conta bancária daquele apresentador, que sorria de terno e gravata tentando lhe vender uma pasta de dente vagabunda, usada por pessoas como ele que não tinham dinheiro para comprar pastas de dente indicadas pelos dentistas.

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