Estranho Mundo - Parte Um

| quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
Acordou com aquela cara amassada de sono. O lençol agarrado a uma das pernas e o despertador gritando ao lado do ouvido. Todo dia era a mesma coisa - Patrick derrubava aquele relógio estúpido no chão e ainda resmungando aproveitava cada segundo de sono que lhe restasse até que sua mãe, uma luterana gorda de um metro e noventa, invadisse o seu quarto berrando para que ele se arrumasse a tempo de ir à escola. Patrick estava cansado daquilo.
Ainda assustado com a força daquela voz taquara rachada, que ecoaria pelo seu tímpano até o caminho do colégio, Patrick se levanta esticando o braço na direção de um óculos fundo de garrafa que adormecia sobre a cômoda, e caminha em passos lentos rumo ao banheiro xingando mentalmente aquela velha parada em frente a porta de seu quarto com todos os palavrões que conhecia e que eram proibidos de serem ditos dentro daquela casa.
Patrick era um menino de dezesseis anos. Magrelo, com algumas espinhas pela cara, as canelas finas, aparelho nos dentes, o cabelo ruivo despenteado, um óculos que lhe tomava metade do rosto e um ar de fragilidade e insegurança. Ainda não havia sequer beijado nenhuma garota, embora fosse secretamente apaixonado por umas três ou quatro - dentre essas uma vizinha loira que Patrick espiava trocar de roupa da janela de seu quarto, enquanto se masturbava cheirando uma de suas calcinhas, roubada de seu varal numa tarde de domingo. Embora atraísse gente esquisita pro seu lado Patrick não tinha muitos amigos, passava a maior parte do tempo lendo história em quadrinhos e sonhando acordado.
Dentro do ônibus ficava admirando as construções dos prédios enquanto era levado à escola, onde poderia estudar matemática e um dia, quem sabe, construir prédios tão grandes e luxuosos quanto aqueles do centro da cidade. Patrick não gostava muito de cálculos e passava boa parte daquela aula admirando as curvas assimétricas de sua professora. Na verdade ele não se interessava por quase nenhuma daquelas matérias, eram todas tão chatas e pareciam ter tão pouca utilidade em sua vida que Patrick comumente confundia os catetos com os quadrados de qualquer hipotenusa que lhe surgisse pela frente, não sabendo se isso lhe dizia respeito a matemática ou qualquer outra matéria.
Senão bastasse aqueles hormônios todos circulando em rota de colisão pelo seu corpo e as meninas que faziam de conta que ele nunca existiu, embora andassem rebolando a meio metro de seus olhos, senão bastasse sua mãe lhe encomodando desde logo cedo e todas aquelas matérias insuportáveis ao qual era obrigado a ouvir na escola, Patrick agora estava naquela época de decisão. O tempo corria e ele deveria optar pelo quê fazer com sua vida. Ainda criança sonhava em ser um monte de coisa - bombeiro, cientista, piloto de avião, médico, inventor, apresentador de tv -, e agora com quase dezessete anos e um mundo inteiro pela frente Patrick estava sem grandes opções, e enquanto pensava a respeito tratava de descer no ponto de ônibus em frente a escola ainda com aquela voz taquara rachada martelando bem baixinho o seu ouvido. Caminhando com a mochila nas costas, cercado por pontos de interrogação por todos os lados, Patrick mal poderia imaginar que aquele seria o dia mais importante de sua vida.

2 comentários:

Pobre esponja disse...

Nossa, você deu uma fotografada perfeita em uma das tantas facetas da confusa (porque tem de ser assim) adolescência. Nota-se que tens referências literárias; acredito não existir escritor que não leia mais que produza, e você mandou muito bem e creio que seguirá mandando.

abç
Pobre Esponja

Teka Montenegro disse...

Você descreveu tudo com detalhes incriveis, fez com que eu imaginasse toda a cena, o garoto, tudo que estava ocorrendo. Além de que esse "tema" não costuma ser muito usado em textos descritivos, contos, cronicas e tudo mais, o que deu um ar perfeito de originalidade.
Gostei muito, tô seguindo.

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